domingo, 21 de julho de 2019

Os Encantadores de Tolos

A palavra "encantador" assume diferentes significados na língua portuguesa (mágico, bruxo, cativante, fascinante, entre outros adjectivos). Por exemplo, no circo o palhaço é aquele que encanta com suas palhaçadas e brincadeiras. No cinema, os heróis encantam com suas demonstrações de bravura e coragem. De algum modo esse ser adorado representa os anseios de muitas pessoas, o desejo de ultrapassar os limites da natureza, de superar desafios inimagináveis. Mas bem diferente da ficção, a vida social está repleta de pessoas que surgem como salvação para problemas aparentemente intransponíveis. Elas lançam uma espécie de "feitiço" sobre suas vítimas, fazendo com que estas acreditem em mentiras muito bem arquitectadas.  O termo "encantado" nem sempre tem uma conotação positiva, porque muitas vezes ele refere-se à tolice de uma pessoa que é facilmente seduzida e convencida por encantadores espinhosos. 
           Explicando melhor, o cinema é uma espécie de "vale tudo" da imaginação e do desejo humano, uma aparente "terra de ninguém", pois cada personagem é capaz de fazer coisas incríveis e impossíveis e tem espaço para todos sonharem e imaginarem o que quiserem. Logicamente há uma relação próxima entre cinema e realidade, no entanto, os mecanismos que regulam o cinema não são tão rígidos como os mecanismos que regulam a vida social. Então o cinema e outras áreas da arte funcionam como uma espécie de "válvula de escape" que permite uma expansão da imaginação e do sonho. As pessoas se colocam no lugar dos heróis ou se sentem representadas por eles, pois os mesmos são capazes de realizar o que elas gostariam de fazer. Até aqui, não há nada de errado nessa relação simbólica ou imaginativa, talvez o problema estaria somente nos muitos erros decorrentes da falta de compromisso ético de certas produções cinematográficas ou artísticas. 
             Nesse contexto, estabeleço uma ligação entre a linguagem simbólica da arte e a linguagem da política (presente nos discursos e atitudes de políticos). A primeira tem o propósito de encantar, convencer e, no bom sentido, enfeitiçar o público. A segunda tem estratégias que se assemelham aos da primeira, no entanto seus propósitos muitas vezes são diferentes. A arte da política é entrar em sintonia com os anseios e desejos do público. A partir daí, começa-se a traçar estratégias muito bem montadas para seduzir e convencer, fazendo com que o público se identifique com a pessoa e seus propósitos. A fase mais exacerbada disso, é a profunda idealização do herói politico, a idolatração de uma pessoa, tida por muitos como a salvadora da pátria, portadora da moralidade e da capacidade quase heróica de libertar o povo das garras do inimigo. No Brasil, isso tem se tornado forte e preocupante, com a crescente manifestação de apoio a políticos que estão mais para vilões do que heróis, além disso, a verdade é que os heróis só existem no cinema e na arte de modo geral.   

As mortes sociais

A morte é um mecanismo natural da vida, é uma espécie de ciclo, os seres nascem, se desenvolvem e deixam de existir no planeta. Se olharmos a questão na perspectiva natural, é um acontecimento essencial, pois evita um crescimento acelerado das espécies e uma superlotação do planeta, o que acarretaria o fim da Terra e por consequência de todos os seres vivos. Numa perspectiva estritamente biológica e particular de cada indivíduo, esse acontecimento representa a falência das funções vitais e o fim da existência do ser enquanto organismo vivo. No entanto, para os seres humanos, esse evento é profundamente indesejado e tem diferentes significados. O homem diante da sua finitude, fragilidade e limitação sempre criou representações simbólicas para dar conta de explicar e aceitar o fim de uma existência. O mito, a religião, a filosofia e a ciência sempre buscaram explicar essa questão, cada uma do seu modo, mas o fato é que isso continua e provavelmente continuará sendo uma incógnita. 
         Até aqui expus meu pensamento acerca da morte no seu sentido usual, isto é, o fim das funções vitais, o fim da existência, a separação definitiva entre o sujeito e a vida social. Mas convido o leitor a refletir sobre um tipo de "morte" que não necessariamente significa o encerramento das funções biológicas e o encerramento definitivo da vida social. Na sociedade há situações em que os indivíduos perdem quase que completamente suas funções sociais, isto é, morrem para a família e para todo o conjunto da sociedade. As mazelas sociais produzem indivíduos marginalizados e invisíveis que definitivamente estão mortos para a humanidade. 
         A fome, as drogas, a solidão, o desemprego, a desestruturação das famílias e tantos outros problemas sociais e pessoais matam os sonhos, o sentido da vida, a convivência social harmoniosa. Então, quando enxergamos a morte para além do seu sentido estritamente biológico, começamos a desenvolver uma visão mais ampla, entendendo que a vida ou a existência não é apenas um coração pulsando, mas sim o sentido de existir e o sentir-se vivo, cumprindo suas funções sociais. Se a existência humana fosse somente nascer, crescer, se reproduzir e morrer, estaríamos colocando o homem numa condição de mero animal irracional. 
         Todos querem saber se existe vida após a morte, a religião tem diversas explicações, tem a crença de reencarnação, a crença de existência do céu, a crença do encontro com Deus. Isso conforta as pessoas e cria uma ideia de continuidade da vida, só que de outra forma, uma forma não material ou espiritual. Estamos muito atentos para essa morte biológica e para a possibilidade de vida espiritual após a morte, mas muitas vezes ignoramos que a vida terrena não é valorizada pelo homem e ignoramos também que morte não é apenas a destruição súbita do corpo, mas também a destruição social do corpo, que mantêm suas funções orgânicas, porém vai perdendo quase que completamente suas funções sociais. A morte biológica cumpre uma função importante dentro da lógica da natureza, porém não podemos dizer o mesmo da "morte social", visto que a mesma funciona de modo totalmente contrário à ordem natural das coisas. Ela pode e deve ser evitada. Está dentro da capacidade e possibilidade do homem evitá-la. A primeira é divina e natural. A segunda é humana e perversa.